As Muitas Faces do Amor

É cada vez mais comum ver pessoas em relações múltiplas, abertas, poliamorosas. É uma forma diferente de viver a paixão. POR Kátia Abreu

REVISTA VIDA SIMPLES – Edição 127

João amava teresa que amava Raimundo que a amava de volta, mas também amava Maria que amava ainda Joaquim e Lili. Se a literatura refletir os costumes, as antologias do século 21 estarão cheias de histórias assim.

As pessoas têm cada vez mais liberdade para amar como acham melhor, sem seguir formatos predeterminados. Se você se apaixonar por dois homens ou duas mulheres, poderá namorar ambos, como algumas pessoas fazem hoje. Se quiser viver um relacionamento aberto, poderá também. E, claro, se quiser passar 40 anos com a mesma pessoa, você terá esse direito.

“Penso que daqui a um tempo menos pessoas vão querer se fechar numa relação a dois e vai haver mais relações múltiplas”, diz a psicanalista Regina Navarro Lins. Em sua mais recente obra, O Livro do Amor (Ed. Best Seller), Regina apresenta um panorama da história do sentimento da Pré-História até a atualidade. A forma como as pessoas se relacionavam mudou ao longo do tempo e, segundo a autora, continua mudando. “Hoje existe uma busca por realizações pessoais; a grande viagem é para dentro de si mesmo. O amor romântico deixa de ser atraente porque ele propõe o oposto disso: a fusão dos amantes.”

Mas como é que chegamos a essa ideia de amor romântico? Na Pré-História, por volta do ano 3000 antes de Cristo, as pessoas viviam em grandes grupos. Ninguém era de ninguém – ou melhor, todos cuidavam de todos. Quando aí entra a figura do casal e dos filhos, a exclusividade estava ligada a questões de herança, não a sentimentos. A ideia era transmitir os bens aos herdeiros de sangue; por isso, passou-se a regular a fidelidade, especialmente a das mulheres.

Isso perdurou por muitos séculos, até que poetas e nobres medievais passaram a tratar o sentimento como fonte de esperança e felicidade. “O amor romântico existe desde o século 12, mas só entrou como possibilidade no casamento a partir do século 18 – antes, casava-se por outros interesses. Casar por amor só virou um fenômeno de massa a partir dos anos 1940, incentivado por Hollywood”, conta Regina.

Alguns anos depois, a desilusão e insatisfação geradas pelo pós-guerra levaram os mais jovens a questionar os valores da sociedade e a felicidade pintada nas telas de cinema. A contracultura, que emergiu no fim dos anos 1950 e ganhou força nas décadas seguintes graças aos movimentos hippie, feminista e gay, é pedra fundamental das transformações que vivemos hoje. “Desde então, estamos em um processo de profunda mudança das mentalidades”, diz Regina. “Não tem mais aquela ética do sacrifício, de ter que ceder, pagar qualquer preço para ter alguém do lado.”

Ilusões perdidas

“Eu tinha o ideal de achar minha alma gêmea; me apaixonei, tentei fazer dar certo, mas não funcionou. Boa parte da minha razão de viver era a outra pessoa, e ela se sentiu muito pressionada”, conta Marcelo, que tomou contato com as ideias defendidas pelo grupo Redes Relações Livres (RLi) enquanto ainda era monogâmico. Ele estava no meio de uma crise, longe da namorada, triste por não poder vê-la. Foi então que uma amiga sugeriu que ele estava encarando a relação com um peso desnecessário. “Ela fazia parte de um grupo de pessoas que viam outra forma de se relacionar. Achei muito interessante e inteligente o que eles propunham. Só que eu ainda estava namorando, então deixei as ideias de canto”, diz ele. O namoro acabou e, há quase três anos, Marcelo passou a frequentar as reuniões do grupo em Porto Alegre. Meses depois, começou a se relacionar com a amiga que o apresentou ao novo estilo de vida. “Tive relações com outras pessoas. Atualmente, estou com ela e mais uma companheira – e funciona”, diz Marcelo, que acredita que amar duas (ou mais) pessoas ao mesmo tempo é natural. “Isso acontece com diversas pessoas. Mas a maioria se sente culpada, por achar que é errado.”

A paulista Janaína (o nome foi trocado a pedido da entrevistada) passou por isso. Em março de 2011, começou a namorar um rapaz. Os dois saíam sempre acompanhados do melhor amigo dele. Um dia, rolou um lance entre os três. “Foi inesperado. Fiquei em crise, achando que devia escolher um deles”, diz ela. Mesmo confusa, aceitou seus sentimentos e foi morar com os dois. “Nós somos uma família. Os três se cuidam, se desejam e querem construir algo juntos.”

Logo depois de se mudarem para a mesma casa, Janaína fez uma viagem sozinha, em que aproveitou para refletir sobre a questão. “Percebi que tem uma flutuação, tem épocas que estou mais perto de um, em outras, do outro, e tudo bem”, diz. “Tem mães que têm dois filhos e recebem o mesmo tipo de pergunta que fazem a mim: “Como você divide seu tempo? Não tem ciúme entre eles?  Na hora em que eu saquei que era o mesmo tipo de questão, ficou tudo bem.”

Mesmo quem sempre intuiu que a monogamia não era seu caminho sofre para se adaptar. No início de suas relações, Charô, que mora em São Paulo, se sentia mal por amar mais de uma pessoa. “Ainda considerava uma espécie de traição.” Ela mantém um companheiro há 15 anos, com quem tem uma filha de 1 ano, e explica que a relação deles foi passando por diversas fases ao longo do tempo. “Tinha muita vontade de ter outros relacionamentos, mas não aceitava que ele tivesse. Por um tempo, a gente viveu nesse híbrido. Depois passamos pela fase swing, depois poliamor e agora estamos caminhando para relações livres. Nosso relacionamento está em constante readequação”.

Os elos da corrente

As novas relações em curso podem ser de diversos formatos. Há casais que fazem pequenas aberturas em seus relacionamentos: seja indo a casas de swing, seja permitindo que em determinados momentos, como no Carnaval, o parceiro possa se relacionar com outras pessoas. No poliamor, o relacionamento é centrado numa ideia de família, só que expandida. E, em geral, as relações são múltiplas, mas fechadas, como a de Janaína, pressupondo a polifidelidade. Já nas relações livres, o foco é o indivíduo e ele tem liberdade para agir como quiser. Charô vê os relacionamentos não monogâmicos como uma régua, onde não há etapas a serem superadas, mas sim gradações de desconstrução: “No swing, você desconstrói a questão do sexo com a mesma pessoa. No poliamor, desconstrói o sexo e o amor. Na relação livre, o amor, o sexo e todas as outras questões da conjugalidade”. É uma espécie de liberdade gradativa, em que a cada elo da corrente que se quebra, mais livre a pessoa é.

Mas isso não quer dizer que vale tudo. Stèphannie ressalta: “Não tem obrigação de ter profundidade nas relações. Mas tem que ter muita responsabilidade.” Marcelo também se incomoda quando associam seu estilo de vida ao desprendimento, à ideia de que ele se apega ou ama menos. “Não sou um cara de ir às festas e pegar um monte de garotas. Em geral, as pessoas com quem faço sexo são pessoas com quem acabo desenvolvendo uma relação afetiva.” Ele conta ainda que, mesmo vivendo o amor de outro modo, ainda considera complicado o fim de uma relação: “Amo minhas companheiras e, se acabar, vou ficar mal. Mas é mais fácil de compreender, pois você já parte da ideia de que a relação não necessariamente vai durar para sempre”.

O ciúme

O ciúme é outro ponto crucial para quem adota novos modelos de relacionamento. Assim como o amor, é uma construção social, estimulada em nossa cultura. É considerado prova de afeto. “Mas quando a pessoa sai, volta, sai de novo, você começa a perceber que a pessoa volta mais feliz e isso melhora sua relação com ela. O ciúme vai perdendo o sentido, porque não tem mais o medo de perder”, comenta Stèphannie a respeito da dúvida que a RLi mais recebe por e-mail.

Porém, por mais que a desconstrução do ciúme faça sentido na teoria, nem todo mundo consegue aplicá-la na prática. Charô conta do rolo de sete anos que teve com um rapaz que não agia de acordo com seu discurso. “Quando se envolveu comigo, já começou a me chamar de ‘minha’. Um dia, estava dançando numa balada e ele veio: `Pô, você tá dançando com outro cara?’.”

Ambiente e autonomia

“Entender racionalmente é uma barbada. O problema é ter o equilíbrio emocional para enfrentar e ter ambiente para agir”, diz Stèphannie, que cresceu em uma cidade do interior, onde era difícil expressar seu modo de vida. “Não tenho problema com o que as pessoas vão pensar, mas é um problema quando eu dependo delas. Não posso ter a relação que quiser enquanto depender financeiramente do meu pai.” Janaína se defrontou com uma questão parecida. Alguns amigos do trabalho sabem que ela tem dois namorados, mas após ouvir um papo do pessoal do RH de que “fulano é confiável porque tem uma namorada há cinco anos”, achou melhor não espalhar mais a notícia.
E, se a visão de amor está menos ligada à posse, uma antiga dica continua válida. “É fundamental desenvolver a capacidade de ficar bem sozinho e perceber suas singularidades. A gente tem que abandonar os modelos e cada um deve ficar livre para escolher sua forma de viver”, diz Regina.

Cada um livre para amar como quiser.

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Iniciativas como a Terapia da Palavra ganham respaldo da medicina

Coisa pra se comemorar. Saiu, na edição independente da Isto É desta semana, uma matéria que mostra o embasamento científico da prática da escrita sobre a cura de experiências traumáticas. Claro que a gente já sabia disso quando criou a Terapia da Palavra, mas ver o trabalho reconhecido é bom demais!

Para ler o texto na íntegra, clique aqui!

A liberdade do infantil

 

A escritora carioca Ana Maria Machado está perto de completar 70 anos, em 24 de dezembro, à toda. Acaba de lançar o livro de ensaios Silenciosa Algazarra e o nono romance, Infâmia, ambos pela editora Objetiva.

Sexta ocupante da cadeira número 1 da Academia Brasileira de Letras e vencedora do prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, a autora fez carreira na literatura infantil com mais de 100 títulos e 19 milhões de exemplares vendidos, traduzidos para mais de 18 países. Infâmia conta a história de um chefe de almoxarifado de repartição pública acusado injustamente de corrupção após denunciar casos de desvio de verba no trabalho.

O tema está à flor da pele do brasileiro e mostra como Ana Maria Machado anseia por ser reconhecida fora do círculo da literatura infantil que a consagrou. Ela admite que se tornou prisioneira da imagem de escritora infantil, apesar de ser uma autora diversificada desde o início – sua primeira obra editada foi a tese de doutorado sobre a construção textual de Guimarães Rosa, orientada pelo semiólogo Roland Barthes, na Sorbonne. Formada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e iniciando-se na carreira como pintora, a autora exerceu o jornalismo durante mais de dez anos. Aqui, ela narra a dura experiência do exílio europeu, na virada da década de 1960 para 70, após ser presa pelo regime militar; fala do tratamento de um câncer e mostra-se orgulhosa por integrar a geração que considera ter revolucionado o livro infantil no Brasil, na qual inclui, entre outros, Ziraldo, Lygia Bojunga Nunes e Ruth Rocha.

Para ler a ótima entrevista realizada pelo jornalista Guilherme Bryan e publicada na Revista Língua, clique aqui.

¨ O que você esconde? (via Vida Simples)

Todos temos, em alguma medida, um segredo muito bem guardado. Vale a pena revelá-lo ou é melhor mantê-lo para si?

Todo mundo tem algum tipo de segredo. Uma mania, uma fantasia, o desejo de vingança, um romance proibido, o passado nebuloso; são tantas as variantes que nem cabe listá-las aqui. E porque elas existem entende-se que as ocultações permeiam a existência humana, tanto que é difícil imaginar um bom romance, uma boa novela (quem matou Odete Roitman?), um bom filme sem uma pitada de segredo. Um bom exemplo disso pode ser visto no filme As Pontes de Madison, dirigido por Clint Eastwood. Em menos de dois minutos, o roteiro revela ao espectador que as duas horas seguintes discorrerão sobre as coisas que guardamos para nós. “Talvez vocês descubram que sua mãe tinha milhões de segredos”, diz uma personagem ao casal de filhos cuja mãe, encarnada pela impecável Meryl Streep, havia deixado de herança para ambos a revelação de algo muito secreto: o romance que ela viveu com um fotógrafo durante os quatro dias em que o marido e os filhos viajaram. Três diários trancados em um baú continham os detalhes das confidências de Francesca Johnson. De tão íntimas, ela não as contou nem após a morte do marido. Mas ao mesmo tempo era algo tão importante que ela não conseguiu levá-lo para o túmulo sem compartilhá-lo com o filho e a filha.

Segredos são assim. Alguns contados, outros não. Tudo depende de o que eles nos causam e de como convivemos com eles. É normal guardarmos para nós o que não queremos dividir com amigos, parentes, namorado, marido, filhos. “Não se compartilha tudo nas relações”, afirma o psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, de São Paulo. Porque em uma relação a dois existe o Eu, o Tu e o Nós, e as pessoas têm de ter isso muito bem organizado intimamente e entender que o Eu é fundamental para a vida de cada um, já que nele estão nossos genuínos pensamentos, sentimentos, desejos, sonhos, manias, fantasias, devaneios e, claro, segredos.

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